Mais a visão se aprofunda,
mais estrelas se percebem,
na escuridão...

30 de junho de 2012

Veleiro na praia


Presente e tão distante, na foto sobre a mesa,
solitária e resignada, eternizada num final de tarde.
Ao fundo, um mar espelhado, fugindo da areia,
perseguindo um pôr de sol outonal, esmaecido.

Desse momento estático, de orfandade da vida,
me chegam percepções de teus pensamentos,
envoltos na atmosfera enevoada, inescrutáveis
como teus grandes olhos serenos, contemplativos.

Teu singelo veleiro a esperar, confiante,
que o vento lhe revelasse rotas e portos,
momento de enfunar as velas,
para abraçar o oceano do tempo.

Ah, tanto naveguei,
atravessando dias, nuvens, e tormentas que criei,
sem compreender o vento, as rotas, os portos.
Já o sol outonal se foi, o momento estático fluiu,
teu veleiro partiu, e ainda nada sei.

(In Memoriam - Odette Cyrino - 26.out.1930 – 08.fev.2009)

17.05.2012

8 de junho de 2012

Cansado de tudo isto


Cansado das mesmas notícias, de hora em hora,
do pensamento latejante, sempre a consumir.

Cansado dos amigos de conveniência,
dos inimigos gratuitos,
dos dissimulados, furtivos,
dos doutores intitulados,
dos irados ante o que é certo,
dos que não se importam
com o que seja certo.

Cansado dos que não ouvem,
dos que ouvem sem querer entender,
dos que entendem, mas ignoram.

Cansado dos condescendentes,
dos auto-indulgentes,
dos narcisistas, autocêntricos,
dos egopatas insuportáveis,
dos que mentem e omitem,
dos que só desconfiam,
dos que prometem e não cumprem,
dos espertos compulsivos,
dos que pensam que nos enganam.

Cansado dos que não tentam,
dos que tentam pouco e desistem,
dos que fazem apenas o necessário,
dos incompetentes por escolha,
dos malditos indolentes.

Cansado do sucesso rápido que todos querem,
da truculência pelo querer ter, despudorada,
dos que não valorizam o que têm,
dos que tudo querem, sem contrapartida.
E querem! E querem! E querem!

Cansado das religiões usadas, encasteladas,
perpetuando dominação sobre ignorância prolífica.

Cansado da política podre, fétida, incurável,
comprando luxúria com a miséria
das vidas de milhões.

Cansado da falta de coragem,
da ética de interesses e palavras,
desalentadora, decepcionante.

Cansado de ver o triunfo
de palavras fúteis sobre atos verdadeiros,
de impaciência sobre perfeição,
de dinheiro sobre dignidade,
de aparência sobre conteúdo.
Empáfia e frivolidade!

Cansado da opressão aos justos, 
crédulos, bem-intencionados,
aos fracos, indefesos, desprovidos,
aos diferentes, especiais, sencientes.

Cansado de humanas crueldades
hipocritamente exercidas,
toleradas, defendidas.

Muito cansado.


Original (compact version) - Tired of everything
Poets of the year compilation, B&N, Sept/25/2003
Português (versão completa), 10/jul/2005, rev. jan/2012