Mais a visão se aprofunda,
mais estrelas se percebem,
na escuridão...

18 de fevereiro de 2014

Um bilhete em branco

 

(Autoironia pseudo-humorística)

Meio de madrugada,
vejo o papel sobre a mesa.

Um bilhete pra mim!
Vou até lá, pego o papel.
Em branco!

Deve ser surpresa.
Viro rapidamente a folha.
Em branco!

Mas, ela sempre me escreve coisas significativas.

Talvez o papel em branco signifique apenas
que devemos sempre esperar por mensagens sábias.
Lindo!

Mas, talvez este papel já as contenha.
Olho por um lado, olho por outro.
Nada!

Penso um pouco...
Concluo que um dos lados em branco representa o coração em paz,
livre de maus sentimentos,
e que o outro lado representa a alma limpa,
buscando evolução.
Lindo!

Ainda meio insatisfeito, percebo que estou sem óculos.
Será que ela escreveu com uma tinta quase branca?
Examino o bilhete contra a luz, que atravessa o papel.
E nada!

Penso um pouco...
Concluo que devemos nos tornar seres diáfanos, puros.
Lindo!

Confesso que permanece um pouco de frustração.
Será que ela escreveu em baixo relevo, usando uma caneta sem tinta?

Vejo meu cinzeiro, sobre o móvel ao lado.
Sujo as mãos com bastante cinza de cigarros
e fricciono sobre uma das faces da folha, para revelar o escrito.
Nada!
Repito a operação no outro lado da folha.
Nada!

Pra ajudar, sujei também a mesa.

Penso mais um pouco...
Concluo que quem tenta macular uma alma e um coração
termina maculando a si próprio (e o que mais estiver por perto).
Profundo!

Ainda pensativo, segurando o papel com as mãos sujas e fedidas,
observo seu formato, quadrado meio torto, cortado meio serrilhado.

Estranho, mas continuo pensando...
Concluo que devemos aceitar a vida imperfeita e cheia de "bicos".
Profundo!

Dou-me por satisfeito...
Solto o papel sobre a mesa.
Ele flutua graciosamente sobre o tampo e vai ao chão, lá do outro lado.

Respiro fundo.
Penso mais um pouco...
Concluo que devemos ser leves, fluir ao sabor da vida.
É isso!

Vou buscar o papel cheio de significados, e bato o joelho na cadeira.
Curvo-me para pegá-lo, e bato o ombro na borda da mesa.
Estico o braço e o pego do chão, sem perceber que estou pisando nele.
Metade vem amassada, em minha mão.
Metade fica sob o chinelo.

Respiro fundo novamente.
Reconheço, estou realmente irritado!

Termino de amarrotar a parte que está em minha mão
e a deixo cair sobre a parte que está no chão.
Pisoteio ambas, com prazer vingativo.

Nem preciso pensar muito, para perceber esta verdade:

Basta estarmos limpos,
tranqüilos,
num lugar confortável,
à espera de mensagens sábias,
com o coração em paz,
a alma limpa,
sendo diáfanos,
aceitando a vida imperfeita,
sendo leves e fluidos,
para, momentos depois...
estarmos no chão,
sujos,
rasgados,
amarrotados,
pisoteados!

Formigamento nas laterais do rosto e no nariz, sempre que fico assim.
Fecho os olhos, fricciono um pouco o rosto e o nariz.
Melhorei.

Abro os olhos e noto que meu nariz está preto.
Minha cara toda deve estar.

Quer saber?
Vou dormir!
Sim, o travesseiro também ficará sujo de cinzas!

Bosta de papel em branco!
Merda de vida!

18.02.2014