Mais a visão se aprofunda,
mais estrelas se percebem,
na escuridão...

14 de dezembro de 2014

De Agility e comprimidos à Síndrome da China


Resfriado forte.
Meio de madrugada de sexta-feira, acordo morto de sede.
Levanto-me da cama, dirijo-me à cozinha.

O Rivotril parece haver transformado o corredor em um Duto de Agility.

Infelizmente, as paredes não são macias, não sou um Border Collie, e não existe treinador indicando o caminho.

Bebo dois copos de água, mas a sede persiste.
Deixo à mão um copo de Coca-Cola gelada, para beber dentro de alguns minutos.

Pego um blister contendo 6 "comprimidos antigripais".
Aparência de novo, mas não enxergo a data de expiração.

Passo novamente pelo Duto de Agility.
Memorizei as curvas que não estão lá (mas parecem estar).
Volto com os óculos para leitura.

Nenhuma data de validade.
!#*&%*!!!
Vamos em frente...

Pelos três princípios ativos estampados no blister, considero que suas dosagens não deveriam ser expressas em miligramas, mas em megatons.

Por precaução, decido iniciar com ½ comprimido.

Posiciono cuidadosamente o dito cujo num fracionador recém adquirido na Drogasil.
Um apertão moderado e... nada.
Aperto firmemente.
O treco de acrílico se fecha com um estalo, parece ter sido destruído.

Procuro por um comprimido cortado precisamente ao meio, mas o vejo esfacelado, no receptáculo do fracionador.

Aparelhinho idiota!
Deveria ter continuado a partir comprimidos com as mãos, como sempre fiz.

Observo os fragmentos minúsculos.
Talvez isto seja um "sinal" de que deva fazer um teste com apenas ¼ de drágea.

Escolho um fragmento que me parece corresponder a ¼, mas não consigo pegá-lo, porque meus dedos não cabem no receptáculo.

Tento, sem sucesso, usar uma colher de café para capturar aquele pedacinho milimetricamente escolhido.

A paciência se foi...

Despejo tudo em uma colher de sopa e noto que, além dos fragmentos, boa quantidade do medicamento foi reduzida a pó.

Irritado...

Desisto do teste e coloco na boca todo o conteúdo da colher de sopa.
Dane-se!

Percebo imediatamente que aquilo é amargo, muito amargo!
O que mais usaram na fórmula? Quinino? Cicuta?

Preciso urgentemente de algum líquido.
Meu providencial copo de Coca-Cola está bem à mão.

Um pequeno gole...
Forma-se uma espumarada fervilhante em minha boca.

Muito irritado...

Teimosamente, engulo o veneno espumante, porque essa m... de comprimido é meu!

O sabor amargo não se dissipa.
Bebo o restante da Coca-cola.
Meu estômago parece haver-se transformado num reator colapsando, rumo à Síndrome da China.

Não consigo deixar de grunhir uns palavrões.

Tuco, um dos nossos cães, me olha com ar espantado e se recolhe, talvez suspeitando que minha vacinação não esteja em dia.

Odeio resfriados.
Odeio "antigripais".
Odeio fracionadores de comprimidos.
Odeio misturas que espumam.

Agora, preciso de um antiácido.
Felizmente, Mylanta é líquido.

01-março-2014
©Alfredo Cyrino / Indigo Virgo®