Presença da linguagem
A linguagem verbal ou escrita, mais do que ferramenta de expressão, constitui
elemento essencial do processo cognitivo (aquisição, assimilação, registro, processamento
e elaboração da informação), parte relevante dos mecanismos de formulação e
organização do pensamento.
Embora existam pessoas que
assimilem e processem de forma predominantemente visual a maior parte das
informações, deve-se considerar que, em algum momento, para levar utilidade à
sociedade, o produto dessas informações precisará ser comunicado através de
linguagem verbal e/ou escrita (exceto evidentemente no caso das artes visuais
essencialmente puras).
O uso correto do idioma, em especial o nativo, é a base para o
aprendizado em geral (ressalva feita aos casos, ainda mal compreendidos, de pessoas
que detêm capacidades extraordinárias, em áreas de conhecimento que sequer
estudaram a fundo).
Ainda que o aprendizado de
um novo idioma possa também ser realizado "por imersão plena", sem recorrer
diretamente ao idioma nativo, certamente a "mecânica do pensamento",
fundamental para qualquer forma de aprendizado, já estará estabelecida sobre uma
base de idioma nativo.
A Matemática, por exemplo, conduz boa parte do seu "fraseado lógico",
através de uma coleção de operadores e outros elementos simbólicos, cujas conotações
são essencialmente lingüísticas:
= igual a
≠ diferente de
> maior que
≥ maior ou igual a
< menor que
≤ menor ou igual a
≡ idêntico a
→ tende a
∞ infinito
|
Þ implica em
\ portanto
Ç interseção
È união
Ì contém
Ë não contém
Î pertence a
Ï não pertence a
|
Quando um estudante de matemática utiliza estes símbolos, em verdade está
trazendo para o contexto da matemática os conceitos já existentes no seu
universo lingüístico.
Evidentemente, o exemplo acima tem de ser limitado, face à infinidade de
outros conceitos matemáticos essencialmente abstratos e complexos.
Pequenos erros
supervalorizados
Infelizmente, não é raro
presenciarmos profissionais qualificados cometendo erros pretensamente
imperdoáveis, tais como: "houveram dificuldades", "a nível
de", "a maioria são", "fazem 2 anos", "menas
receita" etc.
Historicamente, este problema remonta às mudanças
que afetaram a sociedade brasileira, particularmente a partir da década de 60,
passando pela contínua decadência da educação formal e resultando na situação
atual, constatada mesmo nos segmentos populacionais com nível educacional mais
elevado.
Embora um agregado variável de tais deficiências
inclua democraticamente um expressivo percentual de estudantes, pesquisadores,
professores, artistas, escritores, jornalistas etc., focalizaremos este texto
na entidade genérica do "profissional qualificado".
Apesar do aspecto pitoresco e do eventual
prejuízo à imagem profissional de quem os comete, tais erros denotam,
principalmente, o mero desconhecimento de algumas regras, ou dos significados e
usos corretos de certos termos e expressões, problema que se resolve facilmente
por diversos caminhos; por exemplo, pela prática sistemática da boa leitura.
Assim, imaginemos um trabalho profissional
contendo erros desta natureza (algo que um bom revisor resolveria sem
interferir na estrutura do texto).
Se o texto for globalmente bem elaborado,
conciso, de elevado valor para o seu público-alvo, por que supervalorizar erros
desta natureza?
A forma de expressão* reflete a qualidade do pensamento
Expressar-se verbalmente (ou
por escrito) através do uso impreciso das palavras, cometendo erros graves*
de concisão, de lógica, de concordância, de regência verbal e nominal, demonstrando
pouco esmero na construção e organização das frases, denota não apenas o desconhecimento
do idioma utilizado, mas também um aspecto revelador da qualidade do
pensamento, afetando invariavelmente a qualidade do trabalho para o
qual o profissional estaria qualificado.
*Consideremos como erros graves aqueles que ocasionem dubiedade (ou
mesmo impossibilidade) de entendimento claro do que se pretende comunicar.
Nesta acepção, a qualidade
do pensamento (aparente na linguagem) não concerne a classificar as pessoas
quanto às suas capacidades intelectuais. (A propósito, existiriam formas válidas
e inquestionáveis para mensuração de tais atributos?).
Qualidade do
pensamento é algo que transparece
na precisão e na fluidez do texto, evidenciando o trabalho intelectual aplicado
a encadear o raciocínio de forma concisa, lógica, organizada, com o objetivo de
transmitir uma mensagem clara ao público-alvo.
Tal cuidado no trabalho
intelectual demonstra, de certa forma, uma elevada consideração pelo
público-alvo. Por outro lado, a ausência desse cuidado demonstra desconsideração
(ou, talvez, incapacidade).
Neste aspecto, a
facilidade de entendimento pelo receptor da mensagem deve sempre estar acima
das facilidades e conveniências para o emissor da mensagem.
Não basta ser capaz de
realizar desde tarefas simples, até façanhas de engenharia, ciência da
computação, economia e finanças, biociências, marketing, sociologia etc.
Para que tais realizações alcancem
utilidade máxima, é preciso ser capaz de reportá-las, comunicá-las
(verbalmente ou por escrito) com clareza e precisão.
De outra forma, será desperdiçada
boa parte do talento que as produziu.
Um exemplo
Neste exemplo, observamos erros
de regência, concordância e pontuação, em combinação com descaso na construção e
organização das frases, demonstrando o quanto o entendimento de informações
importantes pode ser comprometido.
"Nosso estudo revelou que 95%
dos pacientes, que foram divididos em dois grupos homogêneos de faixas etárias
e por sexo, acima de 50 anos, submetidos ao tratamento A, foram considerados
imunes após 3 meses de uso do medicamento, enquanto que aqueles submetidos ao
mesmo tratamento mas com idade inferior foram necessários 2 meses de tratamento
para atingir 85%."
O texto acima, bastante similar a outros que tenho recebido para revisão ou tradução, contém informações relevantes sobre determinado estudo
clínico.
Com algum esforço, podemos
reorganizar as informações e reescrevê-lo de forma clara e precisa:
"Os pacientes foram divididos
em dois grupos homogêneos quanto às faixas etárias e ao sexo.
Nosso estudo revelou que 95% dos
pacientes com idade superior a 50 anos, submetidos ao tratamento A, foram
considerados imunes após 3 meses de uso do medicamento.
Constatamos também que 85% dos
pacientes com idade inferior a 50 anos, submetidos ao mesmo tratamento, foram
considerados imunes após 2 meses de uso do medicamento."
Percebe-se, o autor do
texto detém conhecimento a respeito do tema.
Entretanto, a partir da
forma pela qual expressou e registrou os resultados do seu trabalho, o que se
pode inferir sobre a qualidade do seu pensamento?
Podemos assumir que esse
profissional leu o seu texto, colocando-se na posição de receptor da
mensagem?
Clareza e precisão
Menos é melhor
Menos é mais difícil do que muito
Vocabulário é apenas um conjunto
de elementos, uma coleção de blocos da construção.
Ortografia, gramática, sintaxe, regência,
mais do que regras rígidas a serem observadas por questões estéticas, são diretrizes
valiosas para a construção da mensagem clara e precisa.
Comunicar todo o necessário, somente
o necessário, de forma clara e precisa, requer disposição
para ler e reler criticamente aquilo que se escreve, encontrar os melhores
termos, reorganizar sentenças, eliminar prolixidade e redundâncias, colocar-se
na posição do receptor da mensagem.
E estes conceitos podem também ser
aplicados, analogamente, à comunicação verbal.
A qualidade e o diferencial competitivo resultam da prática
O exercício de "lapidação"
da mensagem (verbal ou escrita) movimenta e aprimora os mecanismos e processos intelectuais
através dos quais elaboramos o conteúdo a ser comunicado.
Nos ambientes de
comunicação atuais (corporativo, acadêmico, etc.), em que o trabalho
colaborativo e a velocidade de geração e atualização da informação transcendem
as barreiras geográficas e temporais, a comunicação clara e precisa constitui verdadeiro
diferencial de competitividade profissional.
Orientações
Ler
bons textos e refletir sobre o processo de sua elaboração.
Perseguir
continuamente o aprimoramento da forma de expressão*, verbal ou escrita.
Procurar
elaborar as frases de maneira lógica e concisa.
Reler
os próprios textos, com visão critica, objetivando utilizar as palavras de
significados mais apropriados, bem como eliminar construções confusas, redundâncias,
erros de lógica etc.
Imaginar-se,
sempre, na posição de receptor da mensagem (verbal ou escrita).
* Forma de expressão = maneira pela qual nos expressamos