Mais a visão se aprofunda,
mais estrelas se percebem,
na escuridão...

29 de dezembro de 2015

Não entendo nada


Devo ter vindo para aprender, aprender muito.

A cada dia, a vida surpreende aquela antiga certeza
de sempre ser capaz de compreender e resolver tudo.

Preciso aprender, aprender muito.

Aceitar a simplicidade perfeita das coisas que apenas são,
e a complexidade daquelas que não fazem sentido para mim.

Aceitar as pessoas,
sem esperar que sejam modelos de consistência e justeza.

Aceitar que ainda não entendi coisa alguma.

Manter a esperança de um dia assimilar tudo.

set - nov.2015

8 de dezembro de 2015

Brasil doente


Acostumou-se ao porre, meu pobre Brasil.
Perdeu as rédeas, por entre as mãos trêmulas.

Etilizado, envenenado,
mal sabe do fel que lhe foi instilado,
do que lhe queima a garganta,
corrói a voz, transmuta palavras.

Entregue à permissividade,
a diluir consciência em surtos viciosos,
ouve vozes que não estão, perversas,
a sussurrar estórias de grandeza onírica.

Delirante,
pisoteando trapos e fracassos,
olhar perdido no horizonte que lhe pertencia.

Embrutecido,
não mais promessa de si mesmo,
esquecido de quem foi, de quem queria ser,
distante dos filhos amorosos,
segue ainda perdido, meu Brasil.

out-dez 2015

4 de dezembro de 2015

A forma de expressão* e a qualidade do pensamento


Presença da linguagem

A linguagem verbal ou escrita, mais do que ferramenta de expressão, constitui elemento essencial do processo cognitivo (aquisição, assimilação, registro, processamento e elaboração da informação), parte relevante dos mecanismos de formulação e organização do pensamento.

Embora existam pessoas que assimilem e processem de forma predominantemente visual a maior parte das informações, deve-se considerar que, em algum momento, para levar utilidade à sociedade, o produto dessas informações precisará ser comunicado através de linguagem verbal e/ou escrita (exceto evidentemente no caso das artes visuais essencialmente puras).

O uso correto do idioma, em especial o nativo, é a base para o aprendizado em geral (ressalva feita aos casos, ainda mal compreendidos, de pessoas que detêm capacidades extraordinárias, em áreas de conhecimento que sequer estudaram a fundo).

Ainda que o aprendizado de um novo idioma possa também ser realizado "por imersão plena", sem recorrer diretamente ao idioma nativo, certamente a "mecânica do pensamento", fundamental para qualquer forma de aprendizado, já estará estabelecida sobre uma base de idioma nativo.

A Matemática, por exemplo, conduz boa parte do seu "fraseado lógico", através de uma coleção de operadores e outros elementos simbólicos, cujas conotações são essencialmente lingüísticas:

= igual a
≠ diferente de
> maior que
≥ maior ou igual a
< menor que
≤ menor ou igual a
idêntico a
tende a
∞ infinito
Þ implica em
\ portanto
Ç interseção
È união
Ì contém
Ë não contém
Î pertence a
Ï não pertence a











Quando um estudante de matemática utiliza estes símbolos, em verdade está trazendo para o contexto da matemática os conceitos já existentes no seu universo lingüístico.
Evidentemente, o exemplo acima tem de ser limitado, face à infinidade de outros conceitos matemáticos essencialmente abstratos e complexos.


Pequenos erros supervalorizados

Infelizmente, não é raro presenciarmos profissionais qualificados cometendo erros pretensamente imperdoáveis, tais como: "houveram dificuldades", "a nível de", "a maioria são", "fazem 2 anos", "menas receita" etc.

Historicamente, este problema remonta às mudanças que afetaram a sociedade brasileira, particularmente a partir da década de 60, passando pela contínua decadência da educação formal e resultando na situação atual, constatada mesmo nos segmentos populacionais com nível educacional mais elevado.

Embora um agregado variável de tais deficiências inclua democraticamente um expressivo percentual de estudantes, pesquisadores, professores, artistas, escritores, jornalistas etc., focalizaremos este texto na entidade genérica do "profissional qualificado".

Apesar do aspecto pitoresco e do eventual prejuízo à imagem profissional de quem os comete, tais erros denotam, principalmente, o mero desconhecimento de algumas regras, ou dos significados e usos corretos de certos termos e expressões, problema que se resolve facilmente por diversos caminhos; por exemplo, pela prática sistemática da boa leitura.

Assim, imaginemos um trabalho profissional contendo erros desta natureza (algo que um bom revisor resolveria sem interferir na estrutura do texto).

Se o texto for globalmente bem elaborado, conciso, de elevado valor para o seu público-alvo, por que supervalorizar erros desta natureza? 


A forma de expressão* reflete a qualidade do pensamento

Expressar-se verbalmente (ou por escrito) através do uso impreciso das palavras, cometendo erros graves* de concisão, de lógica, de concordância, de regência verbal e nominal, demonstrando pouco esmero na construção e organização das frases, denota não apenas o desconhecimento do idioma utilizado, mas também um aspecto revelador da qualidade do pensamento, afetando invariavelmente a qualidade do trabalho para o qual o profissional estaria qualificado.

*Consideremos como erros graves aqueles que ocasionem dubiedade (ou mesmo impossibilidade) de entendimento claro do que se pretende comunicar.

Nesta acepção, a qualidade do pensamento (aparente na linguagem) não concerne a classificar as pessoas quanto às suas capacidades intelectuais. (A propósito, existiriam formas válidas e inquestionáveis para mensuração de tais atributos?).

Qualidade do pensamento é algo que transparece na precisão e na fluidez do texto, evidenciando o trabalho intelectual aplicado a encadear o raciocínio de forma concisa, lógica, organizada, com o objetivo de transmitir uma mensagem clara ao público-alvo.

Tal cuidado no trabalho intelectual demonstra, de certa forma, uma elevada consideração pelo público-alvo. Por outro lado, a ausência desse cuidado demonstra desconsideração (ou, talvez, incapacidade).

Neste aspecto, a facilidade de entendimento pelo receptor da mensagem deve sempre estar acima das facilidades e conveniências para o emissor da mensagem.

Não basta ser capaz de realizar desde tarefas simples, até façanhas de engenharia, ciência da computação, economia e finanças, biociências, marketing, sociologia etc.

Para que tais realizações alcancem utilidade máxima, é preciso ser capaz de reportá-las, comunicá-las (verbalmente ou por escrito) com clareza e precisão.

De outra forma, será desperdiçada boa parte do talento que as produziu. 


Um exemplo

Neste exemplo, observamos erros de regência, concordância e pontuação, em combinação com descaso na construção e organização das frases, demonstrando o quanto o entendimento de informações importantes pode ser comprometido.

"Nosso estudo revelou que 95% dos pacientes, que foram divididos em dois grupos homogêneos de faixas etárias e por sexo, acima de 50 anos, submetidos ao tratamento A, foram considerados imunes após 3 meses de uso do medicamento, enquanto que aqueles submetidos ao mesmo tratamento mas com idade inferior foram necessários 2 meses de tratamento para atingir 85%."

O texto acima, bastante similar a outros que tenho recebido para revisão ou tradução, contém informações relevantes sobre determinado estudo clínico.

Com algum esforço, podemos reorganizar as informações e reescrevê-lo de forma clara e precisa:

"Os pacientes foram divididos em dois grupos homogêneos quanto às faixas etárias e ao sexo.
Nosso estudo revelou que 95% dos pacientes com idade superior a 50 anos, submetidos ao tratamento A, foram considerados imunes após 3 meses de uso do medicamento.
Constatamos também que 85% dos pacientes com idade inferior a 50 anos, submetidos ao mesmo tratamento, foram considerados imunes após 2 meses de uso do medicamento."

Percebe-se, o autor do texto detém conhecimento a respeito do tema.
Entretanto, a partir da forma pela qual expressou e registrou os resultados do seu trabalho, o que se pode inferir sobre a qualidade do seu pensamento?

Podemos assumir que esse profissional leu o seu texto, colocando-se na posição de receptor da mensagem?


Clareza e precisão
Menos é melhor
Menos é mais difícil do que muito

Vocabulário é apenas um conjunto de elementos, uma coleção de blocos da construção.

Ortografia, gramática, sintaxe, regência, mais do que regras rígidas a serem observadas por questões estéticas, são diretrizes valiosas para a construção da mensagem clara e precisa.

Comunicar todo o necessário, somente o necessário, de forma clara e precisa, requer disposição para ler e reler criticamente aquilo que se escreve, encontrar os melhores termos, reorganizar sentenças, eliminar prolixidade e redundâncias, colocar-se na posição do receptor da mensagem.

E estes conceitos podem também ser aplicados, analogamente, à comunicação verbal.


A qualidade e o diferencial competitivo resultam da prática

O exercício de "lapidação" da mensagem (verbal ou escrita) movimenta e aprimora os mecanismos e processos intelectuais através dos quais elaboramos o conteúdo a ser comunicado.

Nos ambientes de comunicação atuais (corporativo, acadêmico, etc.), em que o trabalho colaborativo e a velocidade de geração e atualização da informação transcendem as barreiras geográficas e temporais, a comunicação clara e precisa constitui verdadeiro diferencial de competitividade profissional.


Orientações  

Ler bons textos e refletir sobre o processo de sua elaboração.

Perseguir continuamente o aprimoramento da forma de expressão*, verbal ou escrita.

Procurar elaborar as frases de maneira lógica e concisa.

Reler os próprios textos, com visão critica, objetivando utilizar as palavras de significados mais apropriados, bem como eliminar construções confusas, redundâncias, erros de lógica etc.

Imaginar-se, sempre, na posição de receptor da mensagem (verbal ou escrita).



* Forma de expressão = maneira pela qual nos expressamos


©Alfredo Cyrino / Indigo Virgo®
25.09.2009 - 01.12.2015

21 de julho de 2015

Sonha


Com todos os anjos que nos vieram e partiram,
e com o renascer pleno que será.

Com as premonições que nos faltaram
e com as que não compreendemos.

Com o que quisemos fazer por tantos seres
e com o que não nos foi dado realizar.

Com as palavras felizes que dissemos,
e com as que nem sempre pudemos pronunciar.

Com as coisas que merecíamos
e não mais nos fazem falta.

Com as conversas leves que o tempo não nos permitiu,
porque escrevíamos nossa longa história.

Com as lutas perdidas, vencidas,
e com as que ainda venceremos.

Sonha,
voando sobre campos de reencontro e paz,
com música etérea, praias, gaivotas e veleiros,
com pés descalços e mãos espalmadas ao sol,
com flores vivas gravadas contra o azul,
com tardes de outono e beija-flores de esmeralda,
com reinícios infindos.

Enquanto atravesso paredes de cristal,
perseguindo caleidoscópicas visões de sal,
degredados fragmentos de mim, em diluição reunidos.

Enquanto consulto alfarrábios e sextantes e astrolábios,
preparo secretas poções balsâmicas para nossas almas
e evoco memórias futuras que se haverão de escrever.

(Para minha esposa, Jussára)

19/21.jul.2015

4 de julho de 2015

Ainda estou


Nas sinfonias que não escrevi, não regi, apenas ouvi.
Nas músicas que não esqueci, murmurei, mal cantei.
Na voz rasgada do meu saxofone.

Nas devoradoras noites adolescentes, solitárias,
de estudos e lágrimas,
psicografando meu próprio espírito.

Nas discussões infindas pelo que sempre foi justo.

Nos extenuantes sonhos vívidos, de premonições,
de intermináveis preleções.

Nas harmonias dos concertos lógicos,
milhões de linhas de código, escritas sem pentagrama,
arquitetando filhos cibernéticos, enjeitados,
que jamais me abandonaram.

Diante da tela fria, ávido papel em branco.
Nas frases que quis formular, não consegui.
Nas centenas de escritos indignados, consternados,
apaixonados, inconformados, reflexivos, desalentados.
Na tristeza pelos que não foram capazes de compreender.

Em todas as coisas consertadas, por toda a vida,
e em tantas e tantas concebidas e construídas.

Perscrutando astros, por trás de uma velha luneta.

Na imposição das mãos, estas que a mais nada servem.

Na luz das lâmpadas da rua, tremeluzindo quando passava.
No som do móbile de ágata, tilintando sobre a minha cabeça.

Nos olhos de todos os meus cães.
Nos corações dos anjos que acolhi e dos que me acolheram.

Na madrugada da praça.
Nas indagações àqueles devas pesarosos, calados.
Na amizade meiga do velho cão perscrutador, que partiu.

Nos rastros sem fim que deixei na areia.
Na furiosa liberdade dos pés descalços, voando sobre o tartan.

Nos lugares em que jamais estive, nos que apenas visitei,
naqueles de que jamais saí.

Nas aulas proferidas e nas lições mal aprendidas.

Nas respostas avassaladoras, travadas na garganta.
Nos venenos que engoli, a devastar continuamente, sem matar.
Nas paredes esmurradas,
nos ossos quebrados, nos hematomas, nas queimaduras.
no ouvir vozes desconexas, de palavras impuras.

Na torturante prevalência dos pensamentos cíclicos, cruelmente críticos.
Nos analgésicos, neurolépticos, psicotrópicos, ansiolíticos.

Abandonando uma vida destroçada pelo viver normalmente,
resgatado para a vida sintética, equilibradamente asséptica, anestésica.

Entre as gaivotas, próximo à rocha de profundidade sinistra,
braçadas assombradas, nos riscos de bruma traçados no mar.

Num espírito a flutuar por entre luzes e sombras,
enlevos e tormentos, poemas e dores.

mai - jun 2015
©Alfredo Cyrino / Indigo Virgo®