Festa de aniversário.
Muitos convidados, parentes, amigos dos parentes.
Permanecemos com os familiares mais próximos, evitando
circular, o que as demais pessoas fazem incessantemente e com grande desenvoltura.
Meu olfato canino sofre com as atmosferas miasmáticas trazidas
pelos "transeuntes" que se aproximam e se afastam de nós.
Um vem nos cumprimentar, rescendendo a madeira
embebida em álcool, qual tonel de aguardente recém aberto.
Outra vem envolta em algo inidentificável,
fortíssimo, impregnando mucosas nasais, garganta e pulmões de suas vítimas.
Um outro espalha aroma de musk pelo
ambiente, qual cervo almiscareiro com a glândula secretora eviscerada.
Uma outra banhou-se em uma substância com
altíssima velocidade de efusão, milagre da química, contaminando todo o local assim
que ela chega.
E mais outro se aproxima, exalando uma
"brisa marítima", que remete de imediato ao piso de um píer em dia de
chuva.
E mais outra passa, difundindo essência floral
enjoativa e sufocante, decerto extraída de flores transgênicas assassinas.
Uma conflagração de eflúvios egoísticos, autocêntricos,
deseducados.
Não creio que os seus olfatos e paladares, certamente
entorpecidos, consigam apreciar os doces, salgados e bebidas ali servidos.
Finalmente, de volta ao lar.
Arrependimento, cefaléia, soro fisiológico nos olhos e narinas.
Se as pessoas pretendessem apenas se sentir bem com os próprios
perfumes, usariam produtos suaves e com raio de ação limitado.
Entretanto, apelam para essas armas químicas pervasivas,
invasivas, perdurantes, talvez porque necessitem ser notadas, ostentando
fragrâncias de griffes caríssimas, condizentes com seus toscos conceitos de
valor.
Resta-me o progressivo isolamento, não somente para evitar reações
orgânicas adversas, mas também por aversão a inalar tais "sofisticadas
fragrâncias", em última instância, nada menos do que substâncias químicas
emanando dos corpos de pessoas estranhas.
Tema: Abril 2009 - Texto: Setembro 2019